CRÔNICAS DE ABAETÉ DO TOCANTINS - 10

 A NAVE DE FLASH GORDON


Era a chegada de um novo ônibus. Era o Salvador. Naquele tempo, os ônibus recebiam nomes de cidades brasileiras. Assim, na lendária Empresa São Jorge, havia o Salvador, o Niterói, o Rio de Janeiro, o Petrópolis... Até o pernambucano, que nem era nome de capital, mas alcunha de algum arigó que sonhava com a distante metrópole e com o progresso.

Eles estavam felizes, felizes e aliviados, posando garbosos diante do ônibus após a travessa de uma baía medonha, equilibrando o carro sobre o convés de uma barca improvisada. Diz o Bino, o motorista aqui retratado, que ele vinha dentro do carro, colocado de través na barca, acelerando o motor do ônibus a viagem inteira, para manter o sistema de ar-comprimido funcionando, a fim de conservar os freios acionados... Que viagem!!!

Contrastando com a vila pobre que se vê ao fundo, está a nave prateada, de alumínio vincado, novo (ou quase...), leveza e aço prontos a singrar as imensidões espaciais.

Seria um ônibus banal, mais um carrinho pequeno e desconfortável a viajar por uma estrada de terra esburacada rumo a Nossa Senhora do Tempo, onde ficava o porto para atravessar a baía até Belém, numa viagem longa e cansativa, não fossem os óculos do motorista. Sim, aqueles óculos dão um ar futurista, espacial, desafiador à imagem. São eles que lembram Flash Gordon no planeta Mongo. Está ali o motorista, qual herói espacial de camisa entreaberta e pose desafiadora. Ele sentia-se senhor da tecnologia, operador de uma tecnologia de futuro, moderna, veloz, onde bastaria puxar uma alavanca para voar entre as estrelas. E o pai ao lado, de quepe, como um doutor Zharkov militarizado, no meio, braços cruzados, aquele que mandava; o mais importante dos homens fotografados. E todos felizes, ou extenuados, ou tensos pela travessia arriscada. Até o garoto acocorado, meio sem entender aquilo, mas insinuando-se entre aqueles heróis. Heróis de uma conquista futura, de um tempo que ainda viria, quando os homens afinal estivessem viajando velozes por uma estrada pavimentada e Belém estivesse logo ali, atrás da próxima curva.

Não havia balsas, nem alça viária. A viagem até Belém durava cerca de quatro horas e era feita poucas vezes ao dia. Levar os ônibus para Abaeté, para que eles começassem a viajar era muito perigoso. A travessia dentro da grande canoa, para onde o carro era embarcado e desembarcado com o uso de pranchas de madeira colocadas numa praia. Dependia da maré, do tempo bom... Era coisa de coragem. Para quem hoje vai e volta de Belém com uma facilidade impressionante, é bom saber que nem sempre foi assim. Nos anos 60 era quase uma aventura fazer uma viagem dessas.

Era logo ali, a distância era a mesma.

Mas quanta diferença...

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