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Mostrando postagens de julho, 2024

O QUARTO VERMELHO, de H. G. WELLS

Originalmente publicado em "Tales of wonder", de 1953, este conto foi republicado em edição brasileira no livro "As melhores histórias fantásticas de H. G. Wells", (Rio de Janeiro, Cátedra/Tempo e Espaço, 1976). É um primor de narrativa curta e, como boa obra de arte, permite muitas camadas de leitura. Pode simplemente seu uma história de fantasmas, que afinal se manifestam apagando velas em um quarto cercado de histórias. Pode ser também uma lição de moral para os incrédulos ou uma reflexão sobre como lendas se transformam em certezas. Mas, sobretudo, pode ser uma reflexão profunda sobre o medo, como diz o autor, que é coisa muito pior do que qualquer fantasma. — GARANTO-LHE que, para me amedrontar, seria preciso um fantasma bem palpável. — Falei e fiquei de pé diante do fogo, com o meu copo na mão. — É o senhor quem o quer, — disse o homem do braço paralítico olhando-me de través. — Há vinte e oito anos que vivo e ainda não vi um fantasma. A velha conservava-se se

A CAUSA SECRETA

 É o meu conto favorito do bruxo do Cosme Velho. Sobre ele, li hoje um texto de Nathália Mendes, disponível em  https://nathaliam99.medium.com/resenha-do-conto-a-causa-secreta-machado-de-assis-dd2e9be45c59, que compartilho abaixo. O texto integral do contos está em  http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000262.pdf Com a palavra, a autora, Bacharel e Licenciada em Letras:  Uma pessoa pode não gostar de literatura ou não se interessar pelos escritos brasileiros, pode até mesmo nunca ter lido um livro por puro prazer, mas essa pessoa certamente já ouviu falar de Machado de Assis. Um dos maiores nomes da literatura brasileira, senão o maior, era mulato, nascido no Rio de Janeiro, em 1839, é autor de incontáveis textos entre poemas e prosa. Também é um grande representante do Brasil mundo afora, e uma figura recorrente dentro das salas de aula do nosso país. Machado escreveu muitos contos em sua carreira, principalmente por pertencer à uma época em que os escritores criavam suas

CRÔNICAS DE ABAETÉ DO TOCANTINS - 15

Imagem
  Abaet é do Tocantins: um retrato na parede Finalmente, depois de muito pesquisar, consegui uma prova de que Abaeté do Tocantins existe. Nem que seja congelada em uma fotografia antiga. Fotografias, é claro, são construções sociotécnicas feitas pela luz quando refletem em algo. Neste caso, luziu nas barbas longas e nas vestes sóbrias dos missionários xaverianos em obra de evangelização pelos furos e igarapés, mais de meio século atrás, em 1961. Para ser possível gravar uma imagem sobre o filme algo deve ter acontecido diante da câmara. É o mais puro exemplo do conceito de "testemunha ocular". Meninos, eu não vi, mas a câmara viu. E registrou. Na parede do barquinho, acima das janelas, está gravado o nome: Prelasia (assim mesmo, com S) de ABAETÉ DO TOCANTINS. Aí está a minha cidade mágica, onde minhas histórias acontecem. Em 1963, quando nasci, o município chamava-se Abaeté do Tocantins. Nesse ano o nome foi mudado para Abaetetuba, por obra do deputado João Reis e sugestão de

ARQUITETURA FUNCIONAL

  ARQUITETURA FUNCIONAL Mário Quintana Não gosto da arquitetura nova Porque a arquitetura nova não faz casas velhas Não gosto das casas novas Porque casas novas não têm fantasmas E, quando digo fantasmas, não quero dizer essas Assombrações vulgares Que andam por aí… É não-sei-quê de mais sutil Nessas velhas, velhas casas, Como, em nós, a presença invisível da alma… Tu nem sabes A pena que me dão as crianças de hoje! Vivem desencantadas como uns órfãos: As suas casas não têm porões nem sótãos, São umas pobres casas sem mistério. Como pode nelas vir morar o sonho? O sonho é sempre um hóspede clandestino e é preciso (Como bem sabíamos) Ocultá-lo das outras pessoas da casa, É preciso ocultá-lo dos confessores, Dos professores, Até dos Profetas (Os Profetas estão sempre profetizando outras coisas…) E as casas novas não têm ao menos aqueles longos, Intermináveis corredores Que a Lua vinha às vezes assombrar!

Feliz é aquele que salva o cotidiano

Por Renato de Faria (Publicado em 31/05/2024 no O Estado de Minas ) "Hoje, fui capaz de sentir aquele grande prazer que se esconde em um cachorro-quente na praça vazia da cidade. Dia de feriado, igreja apagada, os meninos correndo em um pega-pega combativo e a vida, sem carências, rodeando a todos. Durante o Sermão da Montanha, no meio das outras bem-aventuranças, acredito que poderia ter sido incluído: felizes o que salvam o cotidiano, pois deles será o Reino da Terra! Dentre as muitas coisas que aprendi com Albert Camus, a mais valiosa foi a possibilidade de salvar o cotidiano. Se viemos do nada e para lá retornaremos, temos a única missão de carregar nossa subjetividade por aí, sem necessidades de adequações, medicações ou castigos. Mesmo diante da pedra de Sísifo que teima em descer todas as manhãs, nos obrigando a recolocá-la em seu lugar para, depois, ir buscá-la novamente. Longe das ilusões políticas, das profecias transcendentes ou das promessas ideológicas, chega uma hor

PRETINHOS...

- Mas nós somos pretos… Magros e pretos... - murmurou Benedito olhando para a procissão. - Eles se vestem todos de branco, são rosados, porcinos, opulentos… Nós somos os lázaros, vivemos do que ninguém quer, das sobras… - Tá, cheiroso! - disse Zé, fazendo pouco-caso do que o intelectual do grupo dizia. - Atenção, por favor! - continuou elevando a voz, querendo parecer altivo e decidido para a plebe preta que o seguia. - A mãezinha vai passar bem perto de nós, como nunca passou! Vamos fazer nossa homenagem, como combinamos! Benedito descobrira a leitura prestando atenção ao que havia nos jornais que os feirantes do ver-o-peso usavam para enrolar cheiro-verde. Aos poucos, aprendera, por qualquer dom inexplicável, a decifrar o que aquelas manchinhas pretas significavam sobre o papel. No começo pensava que eram manchas de betume amolecido que haviam espirrado do chão pressionado pelos pneus dos ônibus em desabalada carreira, quando faziam a curva e entravam diante da pedra do peixe. Depois